Editorial 3

CRÍTICA LITERÁRIA X INDÚSTRIA

DO ENTRETENIMENTO

Guido Bilharinho

Afrânio Coutinho, em quem se reconhece a grande sabedoria, o idealismo e os bons propósitos, cometeu um equívoco na esteira de tese preconizada pelos divulgadores ianques do newcriticism literário, ao propugnar pela eliminação da crítica literária nos jornais e seu recolhimento às lides e publicações acadêmicas, afirmando, por exemplo, que “o rodapé semanal não mais comporta, em nosso tempo, a alta crítica” (in “Que é a Crítica?”, Diário de Notícias) “o rodapé semanal só comporta o review [“comentário, noticiário de livros do momento”], e não a crítica” (in “Achismo Crítico”, Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 27 maio 1956).

Nisso, sem querer e sem saber, facilitou a tarefa da indústria do entretenimento, impropriamente denominada por Adorno de “indústria cultural”, terminologia usada e repetida ad nauseam por esnobes e pedantes articulistas de jornais editados nos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro, que, por sinal, até hoje ainda denominam os estadunidenses ou ianques de “americanos”, quando americanos somos todos nós, os nascidos do Alasca à Terra do Fogo.

É que a indústria do entretenimento, criada, desenvolvida e impulsionada nos quadros do consumismo imposto à sociedade, ao visar uniformizar o gosto e estandardizar as vontades e preferências, alija, discrimina e isola automaticamente o saber, o conhecimento, a autonomia e independência individuais e, com eles e elas, a arte, a ciência, a criatividade, a inventividade e a singularidade.

A razão desse procedimento reside na circunstância, não só relevante quanto fundamental, da lucratividade e do expansionismo capitalista.

Esses objetivos só se alcançam, no atual estádio do desenvolvimento, numa economia de escala, em que a produção e o consumo de milhares e milhões de artefatos de qualquer produto rebaixa o preço unitário, gerando exponenciais índices de lucratividade.

Para a consecução desse desiderato, e desse contingenciamento indústrio─comercial, é indispensável, por intermédio dos meios de comunicação ─ cada vez mais sofisticados ─ introjetar na sociedade, também por todos os outros canais possíveis, entre eles o ensino, a uniformização (e nivelação por baixo) do gosto, transformando o cidadão em consumidor cada vez mais passivo dos milhões de anódinos produtos da indústria do entretenimento.

Assim, ao propugnar Afrânio Coutinho pelo recolhimento (e encolhimento) da crítica literária às quatro paredes dos cursos de letras, sem querer colaborou e de certo modo apressou, nessa área, o processo de isolamento e ilhamento da cultura na sociedade contemporânea (que, aliás, mais cedo ou mais tarde, viria de qualquer modo), já que em seu tempo não se poderia imaginar os desdobramentos desse processo tão insidioso quanto maléfico, visto impedir ao leitor de jornais e revistas ter acesso às opiniões, impressões (também elas, por que não?), análises e juízos avaliativos dos sucessores de críticos como José Veríssimo, Araripe Júnior, Tristão de Ataíde, Agripino Grieco, Álvaro Lins, Franklin de Oliveira, Augusto Méier dentre outros que pontificaram na imprensa e, por último, mas como figura isolada, Wilson Martins, recentemente falecido.

Em seu lugar, entronizou-se o estupidificador jornalismo de espetáculos.

(publicação autorizada pelo autor).

Um comentário:

Anônimo disse...

Vale a pena ler! Análise e descrição detalhada de processo cinquentenário de empobrecimento intelectual coletivo no Brasil, vinculado a filtros instalados equivocadamente em meios de comunicação e informação de massa.