Editorial 2

NÃO É BEM ASSIM
Guido Bilharinho

Consoante matéria jornalística publicada no último dia 29 de dezembro em um dos jornais do município de São Paulo, o crítico e estudioso de cinema, Jean–Claude Bernadet, em um de seus livros, agora reeditado, além de diversos outros assuntos abordados, enfatiza o papel do produtor cinematográfico.
Contudo, faz isso em detrimento do papel do diretor de filmes e da concepção e percepção artística e cultural do cinema, seguindo o viés, cada vez mais dominante imposto pela indústria do entretenimento, impropriamente denominada por Adorno de indústria “cultural”, termo que possui sentido estrito que não pode ser ampliado ou confundido sociologicamente com tudo que é produzido socialmente, que é outra coisa.
No depoimento que concedeu ao jornal, afirma que o menosprezo ao papel do produtor “implica em posições moralistas, que não levam em consideração o mercado, o público, as estruturas de produção”.
Nesse passo defende justamente o que constitui o diversionista, o espetaculoso, o meramente indústrio–comercial em contraposição à orientação e prática artístico-cultural.
No caso, ou se propugna e se valoriza a realização de valor estético, que nas obras de ficção implica em autenticidade, seriedade e profundidade do tratamento temático e utilização elaborada e crítica da linguagem cinematográfica ou, ao contrário, se advoga o produto cinematográfico comercial, que, para falar o mínimo, é seu oposto e impinge à sociedade filmes (e, outras áreas, livros e músicas) destituídos de valor e meramente aproveitadores da falta de gosto e da carência de formação artístico-cultural do povo.
A atitude, pois, dos que se alinham na primeira posição, não é “moralista”, como também impropriamente acusa o referido crítico. É única e exclusivamente artística e cultural, como se está cansado de saber e até se admira que se confunda com o “moralismo” geralmente falso e, quando não, retrógrado e reacionário que domina e predomina principalmente nas camadas médias da sociedade e é uma das causas mais daninhas e obstaculizadoras do desenvolvimento e da democratização social.
Não constitui, também, como afirma, “ponto de vista de esquerda” julgar “catástrofe” o filme biográfico de Lula.
É ponto de vista estético-cultural, já que toda obra de produtor, como é o caso, não passa (nem ultrapassa) o ínfimo patamar do espetáculo, do apelo emocional e do entretenimento desclassificado e de baixo ou de nenhum nível intelectual, que, lamentavelmente, atinge mais de 90% (noventa por cento) dos filmes e, também, na música, a maioria absoluta das gravações que enxameiam as rádios e emissoras de televisão.
O cinema é arte e, como arte, não se compadece com sua instrumentalização indústrio-comercial de mero produto de consumo fácil, leve, descompromissado e descartável, visando sucesso de bilheteria e lucratividade.
A arte, qualquer delas, por sua substancialidade e significado, não se pode tornar objeto de manipulação para atendimento da lucratividade comercial. Tão negativo quanto esse desvio é a defesa que dele se faz.
Quanto ao público, carente de formação intelectual, artística e cultural, mantido assim propositadamente, basta se lembrar a constatação de determinada rede de televisão de que quando subia o nível da programação caía o índice de audiência, ou seja, para o público, nessa perspectiva, “quanto pior melhor”.
Quem defende a arte, a ciência, o conhecimento, o saber enfim, não despreza o público quando afirma que ele não os possui. Muito ao contrário. Constata a realidade, não se quedando só nisso, porém. Além disso, e de lamentá-la, pretende modificá-la para que cada vez maiores parcelas do povo elevem seu grau de conhecimento e conscientização para que possam ter condições de usufruir das obras criadas pela capacidade, inteligência e sensibilidade humana, o que não vem acontecendo. Essa posição, sim, valoriza o ser humano, é democrática e não mero e vão democratismo.
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Guido Bilharinho é autor de vários livros de história e crítica de cinema, entre eles, Clássicos do Cinema Mudo, e, publicado mais recentemente, O Cinema Brasileiro nos Anos 50 e 60, todos editados pelo Instituto Triangulino de Cultura (www.institutotriangulino.blogspot.com).

(Publicação autorizada pelo Autor)

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