Editorial 1


FRODON TEM TODA RAZÃO




Guido Bilharinho


Jean-Michel Frodon, crítico de cinema, em entrevista à Folha de São Paulo do último dia 2 de novembro, afirmou, ao responder à indagação de Ana Paula Sousa, de “Como vai o cinema, brasileiro”? que “é um cinema sem maior brilho [....] não é tão bom quanto poderia ser” e, adiante, em resposta a outras questões, aduziu, entre diversos comentários, que “o Brasil vem ganhando visibilidade internacional e poderia traduzir esse movimento histórico em filmes, mas, ao contrário da China e de outros países asiáticos, não tem feito isso”, que traduz “dependência cultural de Hollywood”.

Dois dias depois, no mesmo jornal, Cacá Diégues rebate tais declarações, afirmando, em síntese, que “mas mesmo o mais fino intelectual europeu é, às vezes, vítima de uma tradição iluminista-voluntarista em que o mundo acaba se dividindo em diferentes humanidades cujos papéis estão sempre pré-determinados” e que sua sugestão de que o cinema brasileiro deveria ser “como o que ele julga ser o asiático” seria “um colonialismo de esquerda” e, depois de outras considerações, arremata, doutoral e categórico, que “cada macaco no seu galho - quem diz como esses filmes devem ser é quem os faz”.

À evidência, que Diégues desfoca a discussão e tergiversa. Frodon tem direito e competência para opinar e julgar não só o cinema brasileiro como o cinema de qualquer país.

A seguir-se a opinião de Diégues nenhum crítico, de qualquer arte, poderia opinar sobre a arte de outro país. Pior, nem de seu país, já que ele, peremptório, afirma, sem rebuços, que “quem diz como esses filmes devem ser é quem os faz”, o que abole a crítica e a opinião alheia, qualquer seja. A função da crítica não se restringe a opinar e julgar, devendo, também, sugerir, orientar, propor.

Ao contrário disso, não é o autor de obra artística quem diz como ela deve ser feita. Ele a faz e isso é suficiente.

A seguir-se a sugestão de Diégues está-se, simplesmente, coartando, impedindo e abolindo o debate, a crítica e o julgamento da obra de arte, o que pode (e deve) ser feito, com maior ou menor proficiência, por todos, inclusive outros autores e até o próprio. São inumeráveis os exemplos de autores que renegaram alguma de suas obras. E, muitas vezes, com razão. Outras não, como Kafka em relação às suas.

No cinema e na música popular essa questão é mais tormentosa, porque a maior parte da produção é meramente espetaculosa e comercial, visando o sucesso de público e a bilheteria. Ou seja, a negação da arte e da cultura.

Será isso que quer Diégues? A seguir-se ao pé da letra sua invectiva, é isso mesmo. Com esse “patrulhamento” não se pode concordar.

Quem realiza um filme ou escreve um romance pode ter, e a maioria o tem, interesses subalternos de, explorando a falta de gosto e de cultura da maioria, impingir-lhe obras que a agrade (para ter retorno monetário).

No mais, além de Frodon ter o direito de opinar, ele tem, no mérito, toda a razão. O cinema brasileiro contemporâneo, como o cinema da maioria dos países, está dominado completamente pelo viés comercial espetaculoso, anti-artístico e anti-cultural.

Contudo, no Brasil, tivemos movimentos do mais alto nível artístico-cinematográfico como foram o Cinema Novo (“Uma Idéia na Cabeça e Uma Câmera na Mão”) e o Cinema Marginal (“A Vontade Louca de Fazer Cinema, Doa a Quem Doer”). A falta dessa produção cultural coletiva é que Frodon lamenta. Quando cita o cinema asiático pelo que ele é, e não pelo que ele “julga ser”, é para indicar isso. Onde filmes brasileiros contemporâneos do nível universal daqueles do Irã de uns anos para cá?

Todos percebem, ou deveriam perceber, que vêm predominando insidiosamente, e cada vez mais, o espetáculo em detrimento do artístico e a irresponsabilidade e o facilitário em prejuízo do enfoque da problemática humana, do rigor e da elaboração formal. É justamente essa falta, em nosso cinema, que Frodon, com toda razão e direito, lamenta. E é muito bom que o faça, porque a crítica cultural no Brasil não está nem tendo mais espaço de manifestação, “está tudo dominado”.




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