Questões do Nosso Tempo

Editorial 7


O PENSAMENTO UNILATERAL

O Meio-Ambiente e os Imóveis de Valor Arquitetônico

“Pimenta nos Olhos dos Outros é Refresco”

Guido Bilharinho

Uma das aventuras intelectuais de nosso tempo consiste em perceber, aqui, ali e em todo lugar, manifestações do pensamento unilateral, que vislumbra as questões e os problemas humanos, sociais e administrativos por apenas um prisma e que se origina de pessoas alheias aos contextos reais em que essas questões e esses problemas surgem ou ocorrem; de pessoas sem comprometimento e, principalmente, sem responsabilidade direta com as causas, as manifestações e as resultantes que compõem as situações criticadas. Pessoas, enfim, dedicadas a outros misteres, destituídas do contato, da vivência e da experiência com as circunstâncias, e, por isso, indiferentes às consequências advindas àqueles diretamente nelas e por elas envolvidas.

Ao contrário do conceito de Ortega y Gasset, de que o ser humano é ele e sua circunstância, esses críticos são eles e sua idealização preconceituosa do real.

É o que acontece, por exemplo, com os que têm a pretensão de defender o meio-ambiente sentados em seus gabinetes profissionais, bibliotecas, cátedras e redações, desvinculados da realidade, emitindo opiniões e propostas idealizadas.

No caso das matas, das encostas e das margens dos cursos d’água, bem como dos imóveis de valor histórico e arquitetônico, defendem simplesmente sua preservação a todo custo, seja em prol da sobrevivência da humanidade, seja para conservação da memória e do valor artístico.

Contudo, como não possuem propriedade rural nem imóvel de valor histórico-arquitetônico, julgam que só os proprietários desses bens é que deverão ser obrigados a preservá-los e mantê-los intactos para gáudio e usufruto de toda a sociedade, sob pena de criminalização e penalização. “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, diz o ditado.

Não lhes ocorre, a esses unilaterais, que se é para o bem de todos, entre todos deverão ser distribuídos os ônus da manutenção desses bens.

São, pois, injustos, quando não francamente inconstitucionais, inúmeros dispositivos da legislação ambiental e de preservação dos monumentos arquitetônicos ao transferir e impor aos proprietários desses bens o encargo de sua conservação, prescrevendo-lhes até multas e penalidades.

Diante dos exageros e absurdos a que esse unilateralismo está chegando, é hora de se questioná-lo para alterar essa legislação iníqua, e também unilateral, distribuindo (e atribuindo) a todo o corpo social os custos daquilo que o beneficia e que a esses proprietários prejudica.

É necessário que se obrigue a União, os Estados e os Municípios a adquirir e indenizar pelo justo valor, como lúcidas lideranças políticas já vêm defendendo e alguns não menos lúcidos administradores já estão fazendo, as áreas e os imóveis a serem preservados, incumbindo-se inteiramente das despesas de sua proteção e manutenção, ou seja, assumindo sua responsabilidade pelo bem comum. Aliás, para isso é que existem os órgãos públicos, por sinal muito bem remunerados por alta carga de impostos. Além disso, é claro, criminalizando e penalizando pesadamente, isso sim, aqueles que invadirem, depredarem ou por qualquer modo causarem dano a esse patrimônio público comum.

Não é justo (e nem deve ser legal) que o proprietário rural, além de não poder cultivar boa parte de sua área (em alguns casos até mais de 40%), ainda seja responsabilizado (e penalizado) por sua conservação, sendo até considerado criminoso ambiental se não o fizer. Do mesmo modo, não é justo (nem racional) que o proprietário de imóvel de valor histórico-arquitetônico ou localizado em entornos culturais, além de ter depreciado seu valor e perder a possibilidade de sua normal comercialização, ainda seja constrangido a dele cuidar e manter.

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Guido Bilharinho é advogado em Uberaba, ex-candidato ao Senado Federal e autor de livros de literatura, cinema e história regional.

(Publicação autorizada pelo autor)

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